O medo, essa merda

Posted on 04/08/2011

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Em algumas das trocas de correspondência que pratico, uma em especial com a minha amiga Adriana tem sido prazerosa. Todas são, na verdade. Mas a Adriana tem um excelente blog sobre viagens, www.escapismogenuino.wordpress.com, com boas sacadas e excelentes fotos de lugares ímpares em lugares pares. Vale a pena dar uma olhada que certamente se tornarão um vicio diário.

Discutíamos a relação laboral e sobre o prazer de escrever que compartilhamos e falávamos através dos emails, um outro nome para as antigas correspondências manuscritas, sobre o medo que se manifesta no nosso espírito.

Seu namorado, o Gustavo, uma bela figura, é um audaz paraquedista diletante e tem a estranha mania de pular descalço de alturas assombrosas e sorrindo, em manobras absolutamente inacreditáveis, passeando como se passeia em volta do quarteirão, pelas bordas de aviões mais frágeis que as nuvens em volta. O sorriso franco e aberto, diante do abismo não sei se é de pavor, como seria o meu, ou de puro prazer. Mas se o olharmos bebendo cachaça, um prazer compartilhado, notamos que ele é constante. Assim como é o sorriso de Adriana. Olhando seus vídeos dos pulos, que também estão no Blog da Adriana, nos perguntamos se teríamos coragem de imita-lo mas essa pergunta não tem resposta. Neste caso específico, ao contrairo do que discutíamos, o medo é plenamente justificável. Acho que já vendem nas farmácias aqui da esquina alguma injeção de adrenalina e não sei porque tenho uma especial predileção pela inteireza de meu corpo que não é la grande coisa mas é meu há muito tempo e já estou acostumado. É claro que se acordasse com a estampa do Brad Pitt, por exemplo, eu rapidamente me acostumaria. Mas não devemos ter esses desejos porque não controlamos o que pode acontecer. Posso acordar e me encontrar preso no corpo do corcunda de Notre Dame, pouca coisa pior que o meu. Digamos que a diferença é o acento linguístico.  Pior seria acordar dentro do corpo da madame Satã. Melhor ficar com o meu mesmo e quebrar todos os espelhos de casa. Assim pelo menos me livro do reflexo.

Mas discutíamos o seguinte sobre o medo:

 

Escrever é na verdade uma extraordinária ferramenta usada para agitar o espírito, essa inconsistência que esta sempre presente mas que às vezes nos esquecemos que existe. O nosso espírito ou a nossa alma como alguns a chamam, precisa ser mexido, incentivado, sacudido. Precisa ser cutucado pra sair de sua letargia, de seu torpor que a rotina da vida cotidiana o coloca de uma maneira impiedosa.

A melhor maneira de fazer isso é se apaixonar. A paixão é o grande combustível do ser humano. Os religioso se apaixonam pela sua fé, os aventureiros se apaixonam pelas suas viagens e descobertas, os homens pelas mulheres e as mulheres pelos homens e daí nascem, às vezes, os filhos. Os pais se apaixonam pelos filhos e os filhos pelo misterioso mundo que nos cerca. Essa é a constante da vida e às vezes nos esquecemos disso. Eu me apaixono constantemente pela vida. E é engraçado como esse sentimento é contagiante.

Vivemos todos os dias numa mesma entediante rotina. Acordamos, trabalhamos, dormimos e todos os dias fazemos tudo igual. Fazemos sexo e nos esquecemos de fazer amor. Nos ligamos a internet e nos esquecemos de conversar. Passamos pela vida e nos esquecemos de viver.

Temos medo das mudanças, das surpresas, de ousar. E no entanto apesar de nossa vontade ou de nosso querer, vivemos. A vida, o substantivo, se manifesta apesar de nós. O verbo, a ação depende de nós.

O que nos impede de sermos felizes é a vontade de querer ser feliz. O medo de querer ser feliz.

O medo é a grande merda da vida. È uma espécie de gás paralisante que nos impede de ousar e mudar e por isso nos refugiamos na rotina que detestamos.

Às minhas filhas eu não as incentivo a fazerem nada. Eu as ensino a não terem medo.

Fazer algo exige falta de medo. Não significa que ao fazer algo eu vou ser feliz.

Mas ao fazer algo, não importa o que, quer dizer que estou superando o medo que causa o imobilismo.

Ser feliz exige eu treinar a não ter medo.

Vou me apaixonar por qualquer coisa, por qualquer mulher, por qualquer evento, viagem, tarefa ou trabalho.

E não vou ter medo de fracassar ou de ter sucesso. E não vou ter medo se saber conviver com qualquer um dos casos que acontecem na minha vida.

Timothy Learry, o grande doidivana que marcou seu tempo, perdeu sua mulher na década de 50, de uma forma trágica. Era um professor Universitário de psicologia em Harvard e um dia se deu conta que a sua vida era uma sucessão de acordar, ir pro trabalho, vendo uma sucessão de carros indo na mesma direção e no final do dia acompanhar essa mesma sucessão em sentido contrario e chegar em casa para seus generosos Martinis, que aliás adoro. Dia atrás de dia.

Descobriu o LSD e se tornou seu apologista. O LSD abriu seu espírito. Eliminou seu medo. O fez viver. E assim viveu.

Todos nós precisamos encontrar o nosso LSD, o elemento que nos faça ter consciência de nós mesmo e que nos faça viver sem medo.

A nossa felicidade começa ai.

Planejamos a nossa vida de acordo com o que nos passam. As decisões sobre o nosso futuro, sobre os nossos estudos, sobre a nossa formação acadêmica é quase que imposta. È difícil vc saber o que vc quer e quem vc quer ser na idade adulta. A inconstância e a incerteza do nosso espírito, da nossa alma faz parte da nossa condição humana e é normal.

O que temos que dar aos nossos filhos são as ferramentas para que eles possam decidir o que querem fazer. E a mesma coisa devemos fazer conosco. Se não tivermos recebido estas ferramentas se não fomos induzidos ou incentivados a nos paramentar com as ferramentas necessárias, devemos busca-las.  Ter as ferramentas para pensar, discutir, duvidar e tomar decisões que são importantes mas que não são eternas. E temos que saber disso.

Tentamos dizer aos nossos filhos e a nós mesmo que as decisões tomadas agora irão nos acompanhar pro resto da vida. E não é assim. São apenas e tão somente decisões de momento que podem ser mudadas a qualquer momento. E a razão das mudanças que podemos fazer é a busca pela nossa felicidade. Não há limites para isso.

Não temos que ter medo de chutar o balde. De mudar tudo, de começar de novo, do zero. Não temos que ter medo de querer fazer isso. O nosso espírito, a nossa alma, já esta presa aos limites do nosso frágil corpo. Os limites nossos são físicos. O nosso espírito, a alma, não tem limites. Somos nós que impomos limites porque o achamos frágil.

Nada disso.

Somos seres indomáveis presos a um corpo com data de validade. Só isso.

Podemos tudo.

Como dizia o Drummond, vai ser gauche na vida.

Ser gauche quer dizer ser revolucionário, mudar o destino, ousar.

E sobretudo, não estabelecer limites, não estabelecer padrões, não estabelecer metas na vida.

Ser feliz não quer dizer ter sucesso, ter dinheiro ou ter conseguido algo.

Ser feliz quer dizer ter tentado. Ousado. Sonhado.

O resto são circunstancias que absolutamente não controlamos.

 

O importante na vida é fazer algo que provoca paixão.

Como a Adriana escrevendo e viajando e o Gustavo pulando de paraquedas.